Muito tempo atrás, fascinado com Memorial de Aires, de Machado de assis, resolvi escrever também o meu próprio memorial que, obviamente se perdeu no limbo da história mas que recentemente eu reencontrei. O texto a seguir foi extraido do memorial desconhecido e nele podemos observar que não há obra verdadeira: escrevemos influenciados por aqueles que admiramos. O texto tem um ceticismo incorrigível como se isto o fizesse digno de Machado de Assis. Mas depois de reler eu percebi que a influência maior é de Eliot, o maior poeta americano. Não levem o conteúdo muito a sério, foi mais um exercício de palavras, extraindo o melhor das palavras e tornando o texto atraente aos possíveis leitores. Estive relendo os artigos, eles variam de uma alegria incorrigível a uma tristeza definitiva passando por textos de ironias pontiagudas e sarcasmo incorrigível. Ah, os jovens!.
15 de Maio de 1984 – 22:56
Às vezes irrefletidas ambições nos seduzem, conduzindo-nos invariavelmente a resultados surpreendentes, freqüentemente decepcionantes. Deve ser a terceira tentativa para iniciar este breve relato, reminiscências de um dia fútil, nada especial mas às vezes fracassamos, contudo, obstinados, persistimos e tornamos a fracassar novamente. Mas não desistimos, talvez uma prova de nossa suprema irracionalidade.
Certas perguntas me atordoam por serem especialmente cruéis. É difícil respondê-las; quem , poderia explicar o que é o gênio ou de que vale a vontade se não possuímos o talento? Claro certamente não podemos compreender bem estas questões por sermos desprovidos de uma coisa ou outra. Triste conclusão.
Mas não basta.Desta forma, mesmo que ambiguamente estaríamos admitindo que conhecemos parte da resposta e que talvez, mesmo difusamente, temos uma vaga idéia do que vem a ser estas duas palavras tão veneradas e ambicionadas.
A medida que envelhecemos e adquirimos a capacidade, muitas vezes desagradável de comparar, de nos julgar, de avaliarmos o que somos e o que fizemos, os fatos e os acontecimentos descaracterizam-se e já não despertam mais a emoção. Nossas sensações diminuem pois o elemento novo, o elemento surpresa deixa de existir na maioria das vezes. Simplesmente as coisas acontecem e se tomamos conhecimento do fato, ele sequer nos desperta a curiosidade, simplesmente ele nos arrasta numa indiferença como folhas levadas ao vento. Há uma componente fatalista em nossas vidas, ou pelo menos somos fracos o suficiente para que o destino possa nos conduzir cegamente, como se não fosse possível impedir ou alterar nossos caminhos. Os acontecimentos, muito antes de termos nascido, será que já foram todos determinados e nossa atuação é meramente passiva, sem poder algum para modificar o curso destes acontecimentos. É uma hipótese tentadora quando nos sentimos derrotados e já não vemos muito sentido em lutar. Sem dúvida um consolo, para os destituídos de vontade, dos que não encontram mais o sentido da vida e que apenas remam, indiferentes, certos de que nada vale nada, mas, enfim, melhor fazer o esforço.
O tédio às vezes é mortal, mas estranhamente em outras é estranhamente agradável. Há uma tristeza doce que nos embriaga mas ela é tão rara. Infelizmente, na maioria das vezes o que sentimos é tão somente angustia, que corroi como o câncer, destruindo nossa capacidade intelectual, tornando-nos egoístas mesmo contra nossa vontade. Dificilmente podemos restaurar o que perdemos nestes dias de amargura.Morremos um pouco a cada dia e não podemos reviver. É como se tivéssemos várias vidas e fóssemos descartando-as lentamente ao longo do caminho até que não sobrasse muita coisa. Aí, descobrimos o estrago e tentamos, quando ainda temos motivos, desesperadamente conservá-las. Mas não há muito a fazer. Se as vidas são muitas, elas são, todavia, muito frágeis, e se enfraquecem ainda mais com o tempo até que um certo dia , surpreendidos, vemos a última delas escapar de nossas mãos e não podemos mais renascer. È bom crer, acreditar na eternidade, mas a dúvida as vezes corroi nossa alma. Como clandestinos em um navio, não sabemos qual o destino que nos espera.
Por que Lutam os homens entre si? Não podem ganhar a vida, visto já possuírem na. Arriscam apenas a perdê-la. A insensatez humana não tem limites. Se bem que os que lutam geralmente desconhecem as razões e lutam e morrem obedecendo ordens. Não questionam e nem vêem que são peças de um tabuleiro onde homens poderosos jogam com a vida de muitos, partidas de poder, ambição, loucura e desfaçatez.
Uma hora se passou, e não mais voltará. É possível que o passar do tempo seja unica coisa absoluta, como disse o bom velhinho Einstein. Para ser mais exato, ele disse que a única coisa absoluta é a velocidade da luz. Na Física talvez, mas para isso nós não importa muito: o tempo é o que conta e ele costuma ser implacável.
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