Nada nas organizações é mais secretamente temido do que a grande mudança que, invariavelmente acaba acontecendo todo santo ano, como festa junina, lá pelos meados do ano. Ou seja, nem sempre a historia se repete como uma farsa Às vezes ela se repete como uma palhaçada. Todos os escalões anseiam por um pouco de paz, ociosidade e tranqüilidade e um certo grau de certeza para seguir em frente mas, a alta direção não colabora, pois ela não pode deixar de promover seu ritual sagrado, um costume que vem das mais priscas eras do capitalismo tupiniqin, uma herança cultural antropofágica, derivada do cruzameto de um capitalista inglês com uma india canibal preguiçosa de uma destas tribos esotéricas da Amazônia praticantes dos mais ridiculos rituais da floresta, tipo queimar uma jovem virgem ao entardecer no alto da cacheira.
Graças a esta herança nefasta, faça chuva ou faça sol, tenham as empresas lucros ou não, nada, absolutamente nada, irá impedir o ritual sagrado anual da Grande Mudança, pois nossos capitalistas ainda mantém acesos, o abominável costume da oferenda pagã, embora menos primitiva e selvagem que costumava praticar sua mãe ancestral, aquela índia chucra e desclassificada que, felizmente a história não registra o nome.
A Grande Mudança se inicia com uma série de reuniões ultra-secretas, que se arrastam noite a dentro e que envolvem membros da alta direção e o board das empresas.
Primeiramente é preciso definir quais são os objetivos da Grande Mudança naquele ano, o que é uma tarefa exaustiva e perigosa, pois na verdade ninguém sabe exatamente nem porque a ela é necessária nem quais serão seus desdobramentos, ou seja , seus danos, mais especificamente quais as mudanças no alto escalão e quantos funcionários amarra cachorro serão demitidos. Não que o board se preocupe com demissões da plebe ignara, mas é sempre uma tarefa chata ter que enviar aqueles emails desejando sorte nas novas atividades e ainda ter que explicar para os infelizes atingidos pela Tsunami da Grande Mudança, porque eles foram escolhidos. Afinal dizer o que, se ninguém nunca soube ao certo os seus verdadeiros motivos ou sequer se eles existem de fato.
Finalmente, após acirradas discussões e depois que todos checaram de todas as formas que suas diretorias serão preservadas embora com outros pomposos nomes, o board parte para a segunda fase do processo tortuoso de preparação da Grande Mudança, que é a formação de um grupo interdisciplinar de notáveis, composto de executivos do médio escalão, considerado pelo board como imprescindível para garantir a credibilidade junto aos funcionários, para que estes validem as mudanças que irão no final, abrir-lhes novas portas para que eles, se tiverem sucesso, encontrem um novo emprego que os faça mais felizes. A maioria sequer encontra outro emprego.
Os notáveis são em geral sempre os mesmos, parecem aqueles jurados de programas de calouros na televisão, cada um com um estilo próprio e curioso. Representam a cremme de la cremme na organização e são também reconhecidos pelo baixo escalão onde recebem os carinhosos apelidos de aspones, puxa-sacos e estica-lençois.
O board sabiamente escolhe diversos modelitos de notáveis, pois só a variedade garante as discussões intermináveis, as disputas acaloradas que irão garantir a transparência à Grande Mudança e um consumo excessivo de salgadinhos, refrigerantes e calmantes e tempo dos notáveis, permitindo que a organização fiqe mais produtiva e ágil graças a suas notáveis ausências.
Os modelitos mais comuns de notáveis são:
O Perfeccionista: especialista em apresentações multimídia fashion. Mais que ninguém , ele irá garantir o deslumbramento da alta direção quando da apresentação do documento final da Grande Mudança. Conhece todas as regras, sabe dos meandros para se atingir o êxtase final. Aficionado às ultimas bugigangas tecnológicas, se move lentamente, pois qualquer mudança brusca irá fazer com que um sem número de aparelhos tecnológicos se despenquem de seu corpo esguio. Sua agenda no Iphone é decorada com aquelas florzinhas que as meninas pregavam nos cadernos escolares antigamente, o que provoca comentários maldosos entre os outros notáveis, que não possuem o Iphone e sequer tem coragem de usar as florzinhas.
O Gladiador: Um tipo esquizofrênico, sempre emitindo opiniões contrárias às do grupo. Dono da verdade suprema, é o batalhador incansável, não medindo esforços para garantir que sua opinião antagônica sempre prevaleça, e quando finalmente ela prevalece, pois os demais membros da equipe, desistem por cansaço e para se livrar daquele chato, ele em sua interminável luta contra o resto do mundo, muda de idéia e passa a defender acirradamente a posição antiga de seus companheiros incrédulos.
O Filósofo: Ele é indispensável, é quem assegura mais que ninguém o prolongamento interminável dos debates e reuniões, garantindo assim que os notáveis se mantenham afastados do trabalho estafante e fiquem ali, debatendo interminavelmente enquanto se locupletam de guloseimas e bebidas exóticas, uma exigência para garantir que suas mentes brilhantes continuem funcionando, não diria a todo vapor, mas funcionando, evitando uma provável parada cerebral que comprometeria o prazo final da Grande Mudança.
O Profeta: Ele usa e abusa de máximas e aforismos, das metáforas, das profecias cabalísticas e sempre termina uma frase assim: eu avisei. Normalmente o que ele avisou não tem serventia para nada, tipo o cafezinho vai acabar ou então é alguma notícia velha que saiu publicada na mídia. Claro depois do fato, todo profeta é profeta. No entanto quando perguntado sobre o futuro de alguma tecnologia a resposta é sempre a mesma. Inicia com o tradicional Veja Bem e depois vai falando um monte de coisas absolutamente ininteligíveis para que, após algum tempo ninguém mais consiga se lembrar da pergunta e ele mantenha incólume sua reputação.
A Estrela: Este posto é normalmente ocupado por alguma bonitona de voz sensual e poucas luzes, mas que, praticamente paralisa o grupo de notáveis com seus sussurros, suspiros e palavras sem sentido, acompanhadas de várias caras e bocas que recebem a aprovação até do Filósofo.
O Visionário: vive num mundo paralelo sempre alguns anos a frente da realidade. Está sempre dizendo de tecnologias futurísticas que irão estremecer a organização, reduzindo a pó todos seus produtos atuais. Costuma levar grupinhos de crentes ao delírio até que um realista qualquer interrompe o frenesi que ameaçava tomar conta dos notáveis, fazendo um simples comentário: Pessoal, meu relógio apitou, hora do coffe break!. Pronto, em segundos todos se esquecem do Visionário e de suas apocalípticas previsões. A Ingratidão, esta pantera! Ele sai da sala resmungando e volta a pesquisar no Google por mais futurismos. A noite ele lê gibis de ficção científica.
Um dia qualquer, numa das reuniões de notáveis, o CEO adentra ao recinto subitamente. Olha o bando de notáveis e balança a cabeça (entrou na sala errada). Então lembrando-se quem são eles e porque estão alí, começa sua ladainha, dizendo que eles são os eleitos da organização, aqueles que vão corrigir seu rumo e garantir o seu sucesso no cenário turbulento inernacional.
Aos poucos, pode-se perceber uma sutil mudança nos rostos dos eleitos, eles pouco a pouco vão se recostando mais em suas cadeiras reclináveis, esboçam um leve sorriso, alguns tremem, como que prestes a um orgasmo. Quando então, o CEO menciona os valores de cada um, o que se vê são cenas que só vemos quando afagamos um cachorrinho.
Por muito pouco, alguns notáveis mais exaltados, não deitam de costas no chão e ficam balançando as patinhas. Outros vão se aproximando lentamente do CEO com as maozinhas levantadas e este temendo uma lambida fria, muda repentinamente o tom de seu de seu discurso e chama o grupo a responsabilidade usando tons dramáticos. Fala do endividamento, do cash flow da concorrência e garante que nem ele está com lugar garantido e que tudo vai depender do resultado da grande mudança. Os notáveis cachorrinhos, um a um, retornam aos seus postos e ouvem compenetrados fazendo sinais e poses de aspirantes a alto executivo.
O CEO, para não perder mais seu precioso tempo, aproveita o seu erro de trajeto e anuncia a chegada imediata da Consultoria contratada há muito tempo e que irá conduzir com os notáveis a grande mudança. Alguns notáveis sorriem em silêncio outros exclamam: Pereito, já ia sugerir isto,
Um ou dois notáveisn no entanto, percebem que, tudo o que fizeram, ou melhor o que não fizeram, as reuniões as acaloradas discussões, o planejamento detalhado, etc, tudo isto foi em vão. Silenciosamente se revoltam, acham um absurdo que tenham levado tanto tempo para chegar a conclusão alguma do que fazer e depois de tanto esforço serem substituídos por uma simples consultoria. Covenhamos, aí já é demais também.
O tipo da consultoria escolhida depende do estilo do grupo. Se for uma empresa pequena, será uma consultoria amadora, baratinha, que é um pouco pior que uma consultoria de renome internacional.
O grandes grupos preferem as consultorias renomadas, que possuem um ou dois integrantes que conseguem raciocinar sozinhos, pelo menos para as necessidades mais básicas. Eles e mais uma pequena equipe irão vasculhar a empresa a procura das coisas obscuras que ameaçam o futuro da organização, como: mal olhado e olho gordo e eleborar um plano que garanta a sobrevivência da empresa. O plano é entregue na assinatura do contrato pela alta-direção: aquele mesmo das intermináveis discussões com o board para a preservação das diretorias.
E finalmente é chegado o dia da apresentação para a alta direção, do plano dela, ou seja, o plano da Grande Mudança. Uma apresentação impecável, que após alguns minutos, provoca um sono profundo na alta direção. Mas, os velhinhos acordam com as palmas que no final acontecem da apresentação, digna do camarada Fidel e, para não revelar que dormiram o tempo todo, expressam seu contentamento com a análise precisa de todos, parabenizando a todos e pedem ao board para implementar a Grande Mudança imediatamente.
Bem, o final da história todos conhecem em suas empresas, algumas demissões, pessoas chorando, departamentos extintos, outros criados. Exatamente o mesmo que acontece com os Ministérios na entrada de um novo presidente da Republica, mas no final: plus ça change, plus c'est la même chose.