Estes últimos dias foram os mais sombrios em toda minha vida e ao mesmo tempo, os mais cheios de alegria e esperanças. Cheguei em Curitiba numa tarde fria e cinzenta, dois dias antes da infusão da nova medula em minha filha Kelly. E por uma daquelas incríveis coincidências, que parecem orquestradas, cheguei no momento exato, pois minha esposa acabara de se gripar, e não poderia acompanhar a Kelly nos próximos longos dias que culminavam com o procedimento de introdução da nova medula, a nova vida em minha filha, graças a uma destas pessoas admiráveis, que doam 10 ml de sua medula para salvar vidas.
No dia seguinte fiquei com a Kelly, a tarde quase toda, e acho que foi o dia mais difícil na vida dela. Ela sabia, que no dia seguinte ela receberia sua nova medula óssea, e que tudo poderia dar certo ou não. A angústia da espera para algo imprevisível e desconcertante, uma experiência que eu nunca passei e a maioria de nós nunca passará. Vivemos despreocupadamente, pois nosso futuro é imprevisível, mas naquele momento, acho que em sua cabecinha, ela se sentia como que entrando num vôo cego e desgovernado, sem nenhuma garantia de se chegar ao seu final.
Ela permanecia forte, as vezes chorava, mas sempre forte, a Kelly que aprendi a admirar mais que qualquer pessoa neste mundo, pois sempre conviveu, com tranqüilidade, com o fantasma de um fato, de que sua medula mais cedo ou mais tarde iria parar de funcionar. Não havia como se esquivar ou fugir diante disto, e ela fez aquilo que a maioria de nós talvez não conseguisse, enfrentou e adiou o mais que pode, a falência inevitável da sua medula, levando uma vida praticamente normal, sem choros, reclamações, estudando, se formando e trabalhando desde os 17 anos.
Nos últimos anos, viveu com níveis de hemoglobinas baixíssimos que deixariam a maioria das pessoas de cama, sem forças para caminhar e níveis de neutrófilo abaixo do limite mínimo aceitável, no qual as pessoas têm que se internar para não sucumbirem a infecções. E curiosamente era a que menos gripava na família, outro fato sem muitas explicações a não ser claro, a sua própria força, a firmeza de sua inabalável fé.
Certamente não é uma pessoa comum, faltou-lhe algo, uma medula perfeita, mas foi recompensada com beleza, inteligência, generosidade, caráter e uma vontade de viver sem igual.
Naquela tarde, um dia antes da infusão da nova medula, fui tomado por um daqueles momentos em que a emoção irrompe sem controle e não podemos nos conter. Já a tardezinha, próximo ao final do horário de visitas, ela olha nos meu olhos e diz:
-Pai você vai me deixar?
E chora de maneira tão profundamente triste, mais triste que a propria tristeza, que eu não gostaria que o amigo leitor um dia experimentasse algo semelhante.
Nunca me senti tão impotente, e o máximo que pude fazer foi passar as mãos em sua cabeça e dizer que eu não ia deixá-la nunca. Não podia chorar, eu não tinha este direito, mas aquilo me corroeu totalmente e naquele momento eu sabia, eu podia compreender toda dimensão do meu amor , bem como toda minha fragilidade, minha limitação de ser limitado no tempo e no espaço.
Não pude, finalmente, conter as lágrimas, neste momento ao relembrar de seus olhos, como que pedindo um socorro, naquele instante.
No outro dia, ela estava mais calma, acho que todo o choro do dia anterior lhe deu as forças necessárias. Eu não tive escolhas, só precisava me manter aparentemente calmo e seguro, mas não estava.
Mas tudo correu bem, a medula começou a gotejar lentamente em suas veias as 10:40 da manhã e só foi parar de correr 12 horas depois, e uma nova vida se iniciou. O processo é semelhante a uma transfusão de sangue. E todos foram se acalmando.
Umas três horas depois, alguns sustos. Primeiro sangue, mas que felizmente não era na urina, mas sim devido a um corrimento natural provocado por um inicio de menstruação, mas tinha que acontecer exatamente naquela hora?
Logo depois, um início de dor de cabeça e aumento gradativo da pressão, até que ela, já chorando, me diz :
- Pai a dor está muito forte...
Chamei as enfermeiras e elas disseram que a médica já vinha, todos eles em emergências, algo que não queremos mas temos que entender. Mas ela chorava e no momento que ela me disse sentir uma pressão no peito, o máximo que consegui foi dizer para a enfermeira:
- Moça traga uma médica já ou ela vai enfartar em meus braços.
Felizmente a médica veio na hora, e com toda calma disse, que a pressão não era preocupante, e era um acontecimento absolutamente normal durante uma infusão.Mas aquela longa jornada noite adentro ainda deu nos mais alguns sustos, mas felizmente, todos eles, apenas relacioados com a pressão arterial e dor de cabeça.
Foram os momentos mais duros que já experimentei, pois o desconhecimento exagera nossos temores e como Miguel de Cervantes disse:
“O medo tem muitos olhos e enxerga coisas nos subterrâneos.”
Hoje passados 4 dias depois da nova medula, Kelly está ótima, sem quaisquer sintomas, graças a sua força indescritível e aquele que anda sempre ao nosso lado. Isto aliado a excelência do Hospital das Clínicas de Curitiba, onde cada paciente possui sua enfermeira, que visitam seus paciente com pontualidade britânica e atenção especial, nos dando uma tranquilidade e firmeza para o futuro.
This article is copyright to the author and may not be reproduced without permission.
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