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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Era Uma Vez na América (Parte III) – Série: Os Executivos Cap 20 (by Rogerio Rufino)

Em 1997 mudei com família e tudo para uma estadia de dois anos nos EUA. Chegamos lá em pleno inverno e aluguei uma Townhome em Rockville, Md, a quinze minutos de Washington. Cidadezinha agradável e berço de Francis Scott Fitzgerald. Minhas filhas  na época tinham respectivamente  12, 14 e 14 anos, choraram durante uns três meses, reclamando que eu havia acabado com suas vidas, deixando as longe de seus amigos, namorados e de um país quente  e com um povo alegre, ou seja o Brasil.

Dois anos depois,  na volta ao Brasil, elas choraram outros 3 meses dizendo que eu havia acabado com suas vidas, ao separá-las de seus amigos, namorados e de um país belo e organizado, ou seja, os EUA. Uma delas, Karen, chorou por mais de ano, até que todos perderam a paciência e permitimos que ela retornasse aos EUA para estudar.

Embora sejam culturas distintas, com costumes diferentes, apreendi que no fundo, o que importa mesmo, são os seres humanos e estes não diferem muito, possuem reações parecidas aqui ou lá. Sentem alegrias e tristezas, são distantes ou carinhosos. Mas...

Washington é uma metrópole rodeada por uma dezena de cidades pequenas e aprazíveis, onde as pessoas residem e onde está a maior parte do comércio e os Malls. Mas Washington tem uma característica incomum nos EUA, tem uma imensa população negra, devido ao grande fluxo de ex-escravos que se dirigiram para lá, logo depois  da abolição da escravidão na América.

Os negros americanos, diferentemente dos brasileiros, tem um preconceito em relação aos brancos similar ao que os brancos possuíam explicitamente contra os negros, tempos atrás. Se as leis hoje impedem a manifestação do preconceito dos brancos, persistindo ele numa forma distorcida e suavizada como a existente no Brasil, alguns negros adquiriram um certo sentimento de revanchismo contra os brancos, embora muito menos ostensivo e cruel, mesmo porque a lei não permitiria.

Próximo a minha casa, havia um supermercado no qual  minha esposa sempre ia. Como ela tem a pele muito clara, certa vez foi perseguida dentro do supermercado por uma senhora negra, sem motivo algum, pois ela se dá bem com qualquer pessoa. Mas o próprio gerente a protegeu e disse que a única coisa que ela podia fazer era não olhar direto nos olhos da senhora negra, pois qualquer coisa que acontecesse a lei estaria do lado dos negros. Justo ou não, compreendemos que era a maneira americana de tentar reparar anos e anos de crimes e perseguições racistas.

Minhas meninas para piorar, muito brancas, foram estudar na escola pública. Haviam muitos negros lá, embora não fossem a maioria. Mas, os brancos eram estrangeiros das mais variadas partes do globo, e não formavam um grupo homogêneo, muito pelo contrário. 

Portanto quem dominava as  escolas eram os negros americanos. Os estrangeiros se agrupavam por afinidades, e na verdade, os brasileiros eram mais próximos dos negros americanos do que dos hispânicos por exemplo, que viam os brazucas com uma certa desconfiança, embora não ostensiva,  talvez pelo  poder do Brasil na América Latina e por ser a única nação que não fala o espanhol Os hispânicos ali eram chamados de CUCAS pelos brazileiros, uma contração carinhosa pero no mucho de cucarachas. Brasileiros se dão melhor com chineses, americanos e outros asiáticos, mas isto pode ser uma característica restrita às escolas que minhas meninas freqüentaram. Não sei.

Certa vez, numa destas brincadeiras de crianças em sala de aula, que são as tradicionais batalhas nas quais os alunos atiram papeis embolados,  objetos e outras coisas inofensivas uns nos outros, uma de minhas meninas, péssima de mira, acabou atingindo uma colega negra muito forte. Claro, a menina partiu para cima de minha filha mas foi contida por outra brasileira, Vanessa, amiga de minha filha, que bravamente impediu o conflito, mas minha filha ficou jurada.

Fiz o que eu podia, liguei para a diretora da escola e disse que já havia acionado meus Legal Consultants e que se alguma coisa acontecesse a minha filha ela e a escola seriam processadas. Era puro blefe, mas o fato é que americanos morre de medo de advogado, e minha filha ficou uma semana com escolta de dois seguranças da escola, até que os ânimos se acalmaram e no final,  as duas se tornaram amigas.

Independente destes episódios, alguns dos amigos mais verdadeiros de minha mulher e filhos nos EUA, eram negros.

Nos EUA, em cada condomínio residencial, o governo obriga a destinação de um certo número de residências para a população carente, aquela que vive normalmente de seguro desemprego, e possui renda menor que 20 mil dólares por ano. O governo complementa o valor do aluguel da população de baixa renda. É uma medida inteligente, que permite a integração das classes pobres com a classe média e sua cultura,  além de impedir a formação das tradicionais favelas, onde se escondem os excluídos, que por uma série de razões não têm a renda necessária que os possibilite a viver junto com as demais pessoas. 

Nossa cultura, remanescente ainda da contra-reforma e da escravidão, é exclusionista,  rico vive com rico, classe média com classe média e os pobres em qualquer gueto, de preferência nos morros.

Mas, como a visão da contra-reforma é de curto prazo, eles se esqueceram, que os excluídos, um dia iriam descer os morros e provocar os arrastões e a violência gratuita contra aqueles que os segregaram. E aí não há muito o que se possa fazer, já se criou a cultura da diferença de classes e da exclusão social, e isto está impregnado em todos os moradores das favelas certamente. E cada um reage a sua maneira, os bandidos com uma crueldade sem limites, as pessoas de bem, com uma miríade de sentimentos, vergonha,  angustia a humilhação.

Em geral ser pobre nos EUA significa que você não gosta muito de trabalhar ou seja, é um vagabundo. Não é regra, mas a maioria vive do welfare state, o seguro desemprego do governo americano. Eles trabalham por um período que lhes permitam usufruir do seguro e então pedem demissão e passam um bom tempo dormindo e bebendo por conta do Obama.  Muitos, são empresários clandestinos especializados:  drogas, contrabando e sexo.

Ou seja, nada muito diferentes do que acontece nas favelas. Só que com uma diferença: são discretíssimos, e não andam para lá e para cá com fuzis nas mãos. Quem olha, vê uma pessoa como outra qualquer. Lembram a máfia,  parecem pessoas respeitáveis. Havia uma família que morava próxima a minha casa, e o garoto parecia gente muito boa, e certa vez minha esposa até o convidou para o aniversário de uma de minhas meninas, e ele gentilmente recusou, pois ele disse que não poderia ir num aniversário de meninas brancas pois sua turma na escola não iria entender este fato. Anyway, graças a estas amabilidades, minhas meninas ficaram protegidas na escola, pois ele um líder ali, uma espécie de Obama do underground.

Se ele e sua família tinham atividades ilegais nunca soube ao certo, mas a verdade era que pareciam seres humano, que sentiam, que tinham emoções e que defendiam seu vizinhos. O que chamamos pessoas de bem.

E também haviam algumas pessoas brancas, respeitabilíssimas, mas que na verdade não valiam nada. Em tudo nelas se percebia a falsidade, a maldade e ausência total de amizade. Aliás isto é muito comum, pessoas de comportamento duvidoso mas de grande coração e pessoas altamente éticas mas que não valem coisa alguma, incapazes de um gesto de generosidade ou caridade, a total ausência de amor ao próximo, amor talvez só as leis, a retidão de uma conduta. Mas como em toda sociedade, haviam as pessoas boas e as ruins, e isto não dependia da cor, credo ou nacionalidade. Brasileiros ou qualquer outro povo do mundo é igual, tem sempre o joio que se espalha em meio ao trigo.

2 comentários:

  1. Rogério, comentei que tinha boas lembranças suas mas tinha esquecido como você escreve bem :-) E acho até muito corajoso (típico de você, aliás) escrever "negro" várias vezes, com total naturalidade. Essa é mais uma das diferenças que você poderia apontar entre Brasil e EUA, ou ainda, entre você e os EUA...

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  2. Carlos long time no see you! Você estará na continuação da série Os Executivos, apítulo Executivo aloprado 2.

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