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sábado, 16 de outubro de 2010

Cem Dias Após Nascer de Novo (by Rogerio Rufino)

Quando minha filha Kelly tinha nove anos, em um daqueles exames de sangue de rotina que minha esposa obrigava minhas três meninas a fazerem numa pontualidade britânica, foi detectado um baixa contagem de plaquetas em seu sangue. Fizemos então uma maratona exploratória com vários médicos, até que uma renomada médica do Hospital das Clínicas de São Paulo deu seu veredicto particular, sem ter exame nenhum que comprovasse sua tese, pois não eram feitos no Brasil: ela tinha anemia de Fanconi, uma doença que leva a uma falência da medula rapidamente.


- E qual o prognostico desta doença? - Eu perguntei à médica.

- Bem, ela vai viver até os dezoito anos - Disse-me a medica e vidente na frente de minha filha e esposa.

Inconformado com o diagnostico eu pesquisei na Internet, que estava em seus primórdios e percebi que minha filha não tinha nenhum sinal característico daquela doença e encontrei e entrei em contato com uma especialista em Nova Iorque, a qual me pediu amostras do sangue dela para análise. Algum tempo depois de enviado o material veio o veredicto: não era anemia de Fanconi. A médica vidente errou e aprendi que, às vezes um médico irresponsável quando não mata um paciente de fato pode matá-lo de susto.

Tirando esta anomalia de contagem de plaquetas baixas, minha filha tinha uma vida normal e lembro-me que, todas as tardes, ela me esperava, para as nossas tradicionais cem voltas na piscina, coisa que ela sempre conseguia e eu não.

Certa noite eu estava em meu computador  pesquisando na net e uma súbita idéia me ocorreu e no mesmo instante fiz um projeto de uma página para a diretoria da empresa que eu trabalhava, para que eu morasse dois anos nos Estados Unidos para desenvolver novos negócios e produtos dali. Apresentei o projeto à diretoria da empresa, que pediu um tempo para decidir. Aquela idéia repentina, de fato, não teve nada a ver com o problema de minha filha, pois nesta época ele permanecia hibernado, pois ela tinha uma vida normalíssima.

O tempo foi passando e eu nem lembrava mais daquele projeto, que era incomun,  até que um dia meu celular tocou e uma colega de trabalho, Eleni Silva, disse-me, que tomou conhecimento do meu projeto e conversando com a diretoria da CTBC, ela os convenceu que minha ida para os EUA seria benéfica para empresa e que além disto eu teria a oportunidade de avaliar junto aos médicos americanos esta anomalia da Kelly. O nome desta empresa é CTBC, que pertence ao Grupo Algar e que sempre figurou entre as melhores empresas para se trabalhar no Brasil

Já temos aí dois fatos isolados e insólitos: o primeiro meu súbito pensamento de desenvolver os projetos, direto dos EUA e o segundo a intervenção da Eleni, que era uma colega de outra área e que eu tinha pouco contato. Hoje acredito que foram coisas orientadas por alguma força maior que já mencionei num outro artigo: Mas quem é este que caminha ao seu lado?

Curiosamente, dois anos antes deste fato, eu havia ficado em Reston, na Virginia próximo a Washington por três meses, num treinamento na Sprint. E assim que houve a decisão de minha transferência entrei em contato com a médica de Nova Iorque para me sugerir um local que eu também pudesse investigar o problema da Kelly. E ela disse, só há um, o NIH de Washington, O Instituto Nacional de Saúde, um dos centros mais avançados do mundo em pesquisas médicas.

Já estamos na terceira coincidência, pois isto nos facilitou tremendamente nossa mudança para um novo país, já que era um lugar bastante conhecido. Isto foi no final de 1997 quando mudamos para uma cidadezinha Rockville, a trinta minutos do NIH.

Alí ela foi submetida a todos exames possíveis, e nada foi diagnosticado, exceto a evidente aplasia medular, o que significa que sua medula óssea era hipocelular e portanto produzia poucas células sanguíneos e a medida que ela ia crescendo, seus números de plaquetas, glóbulos vermelhos e brancos ficavam abaixo do limite mínimo da normalidade. Mas com um remédio fornecido pelo NIH, seu exame de sangue logo se normalizou, menos as plaquetas, mas estas ainda estavam numa quantidade satisfatória.

Lembro-me de uma conversa com o médico do NIH, um dia antes de nossa partida dos EUA em dezembro de 1999. Perguntei a ele:

- Em sua opinião quanto tempo este remédio vai funcionar ainda?

- O que temos verificado é que podemos estimular a medula por até quatro anos mas a partir daí ela chega a exaustão e tende a falir rapidamente.

- E então, quando isto acontecer o que faremos? - eu perguntei

- Infelizmente pouca coisa, podemos tentar um transplante, ela já está cadastrada no nosso banco, mas é preferível que ela encontre um doador brasileiro, pois transplantes com doadores de etnias diferentes são ainda mais problemáticos. E o melhor para ela, é que ela faça o transplante no Hospital das Clínicas de Curitiba, um centro de excelência mundial nesta área – Respondeu-me ele.

Foi uma notícia dura, Kelly estava junto e naquela época os transplantes eram ainda mais traumáticos que hoje e aquele dia foi muito difícil, mas lembro-me de uma conversa com minha esposa. Naqueles dias havia morrido o Luis Eduardo Magalhães Filho, que estava sendo preparado para ser o próximo presidente do Brasil. Uma simples corrida matinal, um enfarto fulminante e uma vida se foi. Então eu percebi que vida era imprevisível, era o caos total e que o ser humano não tinha o menor controle sobre seu futuro. Então tudo se tornou mais fácil, pois o melhor da vida é a incerteza do amanhã pois um futuro previsível é algo assustador.

Kelly, como tudo em sua vida, estava destinada a nos surpreender. Ela conseguiu com sua força e fé, fazer com que sua medula continuasse produzindo por mais de dez anos, após aquela conversa com o médico do NIH, um bonus extra de seis anos. E então no início deste ano, tomamos a decisão mais difícil em nossas vidas e na vida dela principalmente. Em uma visita ao HC de Curutiba em maio deste ano, após a Dra. Carmen explicar pacientemente para Kelly os riscos e benefícios do transplante, Kelly decidiu fazê-lo o mais breve possível e para sua sorte, eles encontraram vários doadores 100% compatíveis para ela e puderam se darem ao luxo de escolher o mais adequado.

A quarta e incrível coincidência, na hora certa o doador estava disponível, mais do que isto, havia mais de uma doador. Estes heróis anônimos, que nunca saberemos suas identidades, mas que são heróis, justamente por salvarem outras vidas. E não há realização maior para um ser humano: poder salvar a vida de alguém ou de várias pessoas.

O transplante aconteceu em oito de julho deste ano e no artigo Torrente de emocoes eu fiz a descrição daquele que foi o dia mais difícil de nossas vidas.


Felizmente tudo ocorreu bem com a Kelly, mas neste período tivemos a tristeza de saber de alguns transplantados que não resistiram. Algumas pessoas sequer chegaram ao transplante, perderam suas vidas antes, pois doadores compatíveis não foram identificados a tempo.

Infelizmente, doadores de medula ainda são poucos no Brasil e na verdade isto é uma garantia para todos nós, pois a cada 100 mil pessoas, apenas uma será compatível com você e como eu disse, a vida é imprevisível e o transplante de medula se tornou a salvação para muitas doenças: leucemias, hepatites anemias congênitas e adquiridas e  outras.  Até mesmo um relato de aids eu vi, ser curado com o transplante. Uma colega de quarto de milha filha, adquiriu uma anemia aplástica por manusear produtos de tintura de cabelo, no salão de beleza em que trabalhava. Na verdade qualquer produto feito a base de derivados de petróleo pode causar anemia aplastica, assim como inseticidas, herbicidas e até remédios. A tradicional aspirina é um supressor de medula, embora não haja comprovação que ela cause anemia aplástica. Mas o fato é que, um paciente com anemia, jamais pode tomar uma aspirina.

Para se cadastrar como doador é simples, Você vai até o hemocentro de sua cidade e eles coletam uma amostra de seu sangue e colocam os dados de sua medula no Redome, que é o Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea .

Seus dados ficam armazenados num banco de dados do Redome e quando você é identificado 100% compatível com algum paciente a ser transplantado, eles te contatam para verificar se você está apto e ainda quer fazer a doação, que consiste na retirada de alguns ml de sua medula óssea, normalmente uma punção feita na região da bacia.

Atualmente são realizados muitos transplantes com cordões umbilicais, que na maioria dos países são coletados tão logo cada criança nasça. No Brasil os cordões umbilicais ainda na sua maioria, viram lixo hospitalar. Na realidade, vidas estão sendo atiradas ao lixo, pois alguém pode estar morrendo por falta de um cordão daquele que contém as células-tronco, que conseguem se reproduzir, duplicar-se, gerar outras células com iguais características e diferenciar-se, ou seja, transformar-se em diversas outras células de seus respectivos tecidos e órgãos. Assim as células daquele simples cordão umbilical, após serem injetadas na veia do paciente, vão caminhado até  se alojarem no interior dos ossos do paciente e ali se reinicia o milagre da diferenciação, elas por algum mistério, da natureza,  começam a produzir plaquetas, glóbulos brancos e vermelhos e uma nova vida se inicia.

Morremos uma vez só, mas um transplantado de medula óssea nasce duas vezes. Minha filha agora tem cem dias de uma nova vida e daqui um ano vai tomar todas aquelas vacinas que tomamos quando somos crianças.

E o milagre de um transplante é algo maravilhoso. Minha filha nos últimos meses antes do transplante já se cansava facilmente, e não podia mais fazer muitas atividades que gostava, como dançar, rapel, etc.

E exatamente um mês após a infusão de sua nova medula eu saia para caminhar com ela pelas rua de Curitiba, e ela simplesmente me deixava para trás nas ladeiras íngremes perto do estádio do Curitiba onde ela está morando ainda. Achava aquilo um milagre formidável e ficava feliz por ser largado para trás por minha filha.

Para que ela se distraísse nos dias que ficou internada, eu criei um blog para ela  que acabou se tornando popular pois ela se comunica muito bem e está desenvolvendo um trabalho atualmente, com o objetivo de ajudar futuros transplantados e conscientizar as pessoas para a necessidade da doação. Foi descoberta, através do seu blog por duas emissoras afiliadas da rede globo que já a entrevistaram, uma de Uberlândia outra de Curitiba.

Sua única reação nestes cem dias,  foi uma espécie de alergia de pele, que não vou explicar neste artigo que já está grande e cansativo e que por causa disto teve que tomar corticóides que engordam por reterem líquido. Outra queixa é que ela não pode usar ainda as tinturas de cabelo e por ter já alguns cabelos brancos, ela toda vez que faz um vídeo coloca sua boina che guevara. Graças a Deus, são problemas menores e de vaidade apenas. 
 Blog Da Kelly
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8 comentários:

  1. Roger meu amigo... mesmo como terapeuta, e hj especialista em contribuir para que as pessoas que me circundam encontrem os seus caminhos, e ressignifiquem sua crenças limitadoras, por ser um ser humano, as vezes me surpreendo por instantes enxergando o lado obscuro das coisas. Tenho tecnicas e maneiras de logo focar naquilo que efetivamente vai me ajudar, e normalmente assim o faco. Nestes breves momentos de escuridao, como todo ser humano, questoes limitadoras me puxam pra baixo, e a luta parece momentaneamente perdida. Lendo um artigo como o seu, eh como se eu desse uma injecao de forca, animo, alegria, energia positiva, e tudo de mais que possamos de colocar de bom em nossas mentes!!! Uma historia como a sua e de sua familia meu amigo, poderia passar despercebida, mas gracas ao magnifico dom que Deus lhe deu da inteligencia, sabedoria e habilidade com as palavras, podemos compartilhá-la, nos emocionar, e vivê-la junto com vc... Bom demais amigo! Apenas pra passar mais uma coincidência: eu fui entrevistado pela CTBC em 1998, e nao houve contratacao. Um ano depois, a mesma colega de trabalho, Eleni Silva, descobriu meu CV, foi me entrevistar em SP, e eu fui contratado. Hoje soh nos conhecemos por causa disso amigo... bom fim de semana!!! 1234!!!

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  2. Rogério, vc. tem uma história de vida abençoada. Lembro-me dos 2 momentos: quando vc. descobriu o problema de sua filha e quando foi embora para os EUA. Na época eu tb. trabalhava na CTBC como TH, lembra-se? Lembro-me do profissional Rogério: inteligentíssimo, sério, fala mansa e baixa... e do pai Rogério: preocupado, triste mas com esperança. Tudo o que acontece conosco tem um porque, tinha que ter acontecìdo exatamente como aconteceu.. Todas as pessoas que passam pela nossa vida, tinham que passar. Com tudo nós aprendemos, tiramos nossas lições. Acredito que tudo nos faz buscarmos ser Seres Humanos melhores a cada dia... Grande abraço e a Boa Sorte sempre pra vc..

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  3. Beto, quem melhor definiu a vida sem querer eu acho foi o grande Euclides da Cunha em Os Sertões, it will help you, pois me ajudou muito tb.

    “Atravessa a vida entre ciladas, surpresas repentinas de uma natureza incompreensível, e não perde um minuto de tréguas. É o batalhador perenemente combalido e exausto, perenemente audacioso e forte; preparando-se sempre para um recontro que não vence e em que se não deixa vencer.” (Os Sertões)

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  4. Cara Josy, claro que me lembro de você, tenho muitas lembranças boas de você e da maioria das pessoas que ali conheci. Foram tempos muito bons aqueles. Não tenho o que reclamar da vida, pelo contrário. Na CTBC foram 18 anos de momentos muito bons, nos EUA foram dois anos inesquecíves e desde 2004, na fazenda, tudo ´e diferente, envolvente e emocionanete. Falta apenas o contato com colegas de trabalho, isto eu sinto falta realmente.

    abraços e sucesso!

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  5. Rogério, voltei? Tava com saudade de mim???
    Então, olha que bom a "doença" da Kelly agora é passado!!! E um segredinho: A Kelly continuava dançando até... Mas as vezes ela cansava, aí dava uma paradinha, fingia que tava tudo bem, e depois voltava pra bagunça denovo! Imagina como vai ser agora??? Quero nem ver, o Otãvio que se prepare!
    Abraços

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  6. A vida é realmente uma benção! Se tivessemos a oportunidade de ler a história de cada pessoa, imagina quantas Kellys não existem por ai...
    Creio que tudo que nos acontece não é por acaso, tudo tem um porque, pois isto temos que agradecer tds os dias por termos a oportunidade de VIVER!!

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  7. Quero disser que kelly é um exemplo de vida,sempre teve esperaça e fé e muita vontade de viver,hoje quando tudo passou temos de agradecer tudo e a todos pelas orações que foram feitas para ela, e quero disser que essa menina tem uma mãe, ela é como um touro, brava e que tudo que faz e quer,luta até o fim, dando a sua filha a vida com tanta dedicação, esse pai que nas horas que presisava estava sempre ao seu lado dando amor,carinho e todas as suas forças que tinha foi dedicado a essa filha, quem não sabe,eu sei...Esses pais são herois. beijos

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  8. Querido Rogério, realmente suas palavras e sua clareza em descrever os pontos mais relevantes deste período tão longo e incerto, nos fazem enxergar a vida de forma mais sensata. Ao meu ver, a Kellynha foi um instrumento nas mãos de Deus para despertar tantos talentos como vc e a Edith vem mostrando durante todo este tempo. Talentos estes que estimulam e esclarecem as pessoas da importância de "salvar vidas" através de um gesto simples... a doação de medula. Tenho certeza que todo o engajamento que vcs se propuseram e fizeram tão bem, será fundamental para salvar tantas vidas... mesmo que seja plantando em seus corações valores antes desconhecidos. Todas as "Deuscidências" que estiveram presentes, hoje parecem cumprir seu objetivo. Parabéns à família que vc e a Edith souberam construir com maestria! Que Deus os abençoe e os guarde! Grande beijo

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